Os partidos de oposição ao governo no Senado conseguiram instalar, no último dia 15, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os repasses de dinheiro público feitos para organizações não-governamentais. Conhecida como CPI das ONGs, a comissão tem sido questionada por uma série de organizações sociais, pois, segundo elas, pode levar a uma criminalização generalista das entidades.
O senador Heráclito Fortes (PFL-PI), que protocolou o pedido na Mesa Diretora, defende a CPI porque vê nela um instrumento rápido para apurar “irregularidades que têm sido apontadas pela imprensa e pelo TCU (Tribunal de Contas da União)”, e para propor novas normas ao setor. “A situação hoje é de total descontrole em todo o processo, da escolha das entidades, à prestação de contas, passando pela execução dos projetos”, critica.
As discussões sobre a criação da comissão começaram no final do ano passado, quando a ONG Contas Abertas fez uma denúncia ao jornal Folha de S.Paulo. Na reportagem, veiculada no dia 17 de setembro, a organização apontava que a ONG UniTrabalho - que tinha como colaborador o ex-petista Jorge Lorenzetti - teria recebido mais de R$ 18 milhões da União desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Na época, também pretendia-se incluir nas investigações a denúncia de que a Petrobras teria repassado pelo menos R$ 31 milhões para ONGs ligadas ao PT. “A idéia não é promover nenhuma caça às bruxas, mas fazer um trabalho que ajude a preservar as entidades que têm prestado relevantes serviços ao País, das que apenas se aproveitam do dinheiro público”, explica o senador.
Críticas - A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), no entanto, questiona a criação da CPI. Em nota divulgada ao redeGIFE, a Abong levanta alguns pontos. O primeiro refere-se “ao estranho recorte de tempo abordado pela CPI, a qual propõe investigar convênios do governo federal com ONGs apenas a partir de 2003”. Segundo o Tribunal de Contas da União, as irregularidades no repasse começaram em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando o PFL era partido governista, hoje oposição.
O documento também cita “a criminalização das entidades, uma vez que se propõe a tratar em uma CPI questões relativas a irregularidades, para as quais o TCU tem instrumentos cabíveis de ajuste e que não necessariamente relacionam-se à má fé no trato do dinheiro público”. Nesse sentido, acusa a CPI de ser generalista, pois as irregularidades foram apontadas em 28 convênios realizados entre o governo e 10 ONGs, distante do universo de quase 300 mil existentes no país.
Para o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, esses casos não devem ser encarados como regra, já que não refletem o diverso trabalho realizado pelas organizações sociais. “O corruptor nesse caso é o Estado, que criou canais para que isso ocorresse”, critica.
O Estado, na visão de Rossetti, deve criar regras e acordos de como prestar contas de maneira mais transparente possível, porém, sem dificultar o trabalho das organizações sociais. “Quando o Estado se mete a controlar, ele burocratiza o sistema. Isso poderia trazer conseqüências para o trabalho de pequenas entidades, que se tornariam inviáveis sem um amplo respaldo jurídico”, afirmou.
Soluções – Uma das formas de sanar o problema é levantada pelo advogado, especialista em legislação do terceiro setor, Eduardo Szazi, que defende a criação de um cadastro compulsório e nacional de ONGs que recebem recursos públicos. “O objetivo é tornar transparentes as informações. Hoje, apenas as Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) estão obrigadas a publicarem suas movimentações financeiras”, afirmou Szazi.
O Estado de S. Paulo deu o primeiro passo no tema. No dia 08 de dezembro de 2006, frente à avalanche de denúncias, o então governador Cláudio Lembo (PFL) assinou um decreto que regulamenta a atividade de ONGs e Oscips que atuam junto ao Estado.
O documento obriga as organizações a encaminhar, todos os meses, documentos que comprovem a aplicação dos recursos recebidos do Estado à Secretaria da Fazenda, além de submeter as entidades à fiscalização do governo.
Lembo disse, na época, que as auditorias nas instituições já eram feitas, mas ressaltou que essas fiscalizações devem mudar. "Agora, nós vamos fazer auditoria e aqueles que a gente sentir qualquer problema de ordem administrativa ou financeira, a gente susta o pagamento, porque o pagamento agora é centralizado", disse ele, em evento realizado na Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) no dia 07 de dezembro.
Se as ONGs ou Oscips não cumprirem o estabelecido no decreto, estarão sujeitas à suspensão de recursos do Estado.
Próximos passos - A CPI das ONGs já foi aprovada, mas não instalada. Faltam cumprir algumas etapas, o que deve ocorrer até a próxima semana. Em primeiro lugar, os líderes dos partidos têm que indicar os seus representantes de acordo com a seguinte proporcionalidade: PMDB - 3, PFL- 2, PSDB - 2, PT - 1, PTB - 1, PDT - 1, PR - 1. São onze titulares e sete suplentes, assim divididos: PMDB - 2, PFL - 1, PSDB - 1, PT - 1, outros partidos - 2.
“Minha idéia é a de que ela fuja dos depoimentos longuíssimos e dos holofotes da mídia. Além, é claro, da simples disputa ideológica ou político-partidária. A CPI tem poderes para requisitar documentos, cruzar informações, produzir provas. E depois, claro, apresentar um conjunto de propostas. O importante, agora, é que haja uma mobilização não apenas para tirá-las do papel, mas para modernizarmos a legislação, evitando os grandes ralos que hoje existem e separando o joio do trigo", defende senador Heráclito Fortes. fonte: GIFE |